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I. 3.

Novos meios de comunicação






















Uma das características na política de Marcelo relacionava-se directamente com o uso da televisão como "um instrumento de acção política e cultural" (Lopes, 2012: 64). Na programação televisiva, a música ocupou desde o início um papel importante com temas divididos entre a música ligeira, a erudita e a folclórica, participando nesses programas muitos dos artistas já "consagrados através da rádio" (Lopes, 2012: 78). Juntamente com a imprensa escrita, a rádio e a televisão contribuiram para a mediação feita entre os aparelhos electrónicos e as várias camadas sociais, abrangendo as necessidades de cada indivíduo.21 Havia espaço e ânimo suficientes para que um grupo de pessoas se juntasse à volta de um tema comum, editando regularmente artigos de opinião em publicações independentes. Na música, é de destacar o jornal A Memória do Elefante22, com publicações regulares entre 1971 e 1974.

Caso paradigmático, pouco depois da nomeação de Marcelo Caetano para presidente do Conselho de Ministros, foi o programa Zip Zip23 (1969). A aproximação do programa com o público era total, proporcionando entrevistas no exterior do estúdio de gravação (Teatro Villaret). A programação heterogénea dividia-se entre convidados bem conhecidos do público e artistas que actuavam pela primeira vez em frente a uma assistência.24 Conscientes do risco que corriam, ao propor um formato televisivo completamente novo em Portugal, Raúl Solnado e Fialho Gouveia recorreram a uma das personalidades artísticas nacionais mais reconhecidas: Almada Negreiros. Segundo Sofia Lopes (2012: 124), foi a primeira aparição televisiva do pintor, o que por si só, era motivo suficiente para provocar uma curiosidade acrescida. Aproveitando o sucesso do Zip Zip e o consumo de discos que, no ano de 1969, aumentou em 12% relativamente ao ano anterior, foi criada, em 1969, a editora discográfica com o mesmo nome onde foram gravados alguns dos convidados musicais que passaram pelo programa. Com o mercado fonográfico nacional em franca ascensão, esse mesmo ano ficou igualmente marcado pela primeira Convenção do Disco organizada em Ofir por Arnaldo Trindade e onde mais de 130 comerciantes puderam assistir aos planos para a dinamização da indústria fonográfica em Portugal.25Arnaldo Trindade, responsável pela editora Orfeu,  desenvolveu, segundo Paula Abreu (2010: 293), um "papel  relevante na edição discográfica das novas expressões musicais, nomeadamente dos trabalhos de José Afonso e de Adriano Correia de Oliveira." Às novas expressões musicais, o espaço que a Orfeu proporcionou à poesia, foi aproveitado por alguns dos mais reconhecidos poetas e declamadores portugueses como Mário Viegas, Eunice Munõz, Ana Hatherly, Natália Correia, ou Manuel Alegre. .

De notar que, à medida que a  ditadura se aproximava do fim, assuntos mais urgentes como a livre comunicação, ocupavam igualmente lugar de destaque na crítica artística. Exemplo disso é o artigo de Fred Forest (1974), art-communication editado na revista Colóquio Artes de Fereveriro de 1974, onde expõe a mais valia que o artista tem em usar as novas tecnologias dos mass-media para quebrar a barreira que existe entre artista e sociedade e estabelecer dessa forma uma acção mais participativa. Através das tecnologias desenvolvidas para os meios de comunicação, além de ser possível manipular características que até aí permaneciam limitadas, é possível também fazer chegar essas obras a um maior número de público.

Como veremos no capítulo II, o investimento feito na RTP por Marcelo Caetano, acabou por proporcionar a Melo e Castro as condições necessárias para as experimentações audiovisuais.

Com a revolução de 1974 a participação cívica e política estava ao rubro, assim como o meio. A rua era  o espaço de eleição, onde se demonstrava a celebração da vida, da liberdade e onde  aconteciam variadas acções performativas. Em Agosto de 1974, o Grupo Acre  pintou a calçada da Rua do Carmo, e um grupo constituído por artistas como Abel Manta, João Vieira, Artur Rosa, ou Palolo, realizou, no mesmo ano, uma pintura colectiva na Galeria Nacional de Arte Moderna (Belém), dando o seu contributo para a liberdade de expressão.26De 1974 até à exposição Alternativa Zero, foram acontecendo eventos similares onde, cada vez mais, se dava particular atenção ao elemento performativo e ao mixed-media. De destacar, em 1976, a Semana da Arte (da) na Rua, promovida pelo Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (Maio/ Junho); os Terceiros Encontros Internacionais de Arte que acontecereamna Póvoa de Varzim, organizados pela revista Artes Plásticas e pelo Grupo Alvarez do Porto (Agosto)27, e a visita de  Ernesto de Sousa a Malpartida para a inauguração do  Museu Vostell.28

O período de 1974-1976 ficaria ainda assinalado, positivamente, pela abolição da Censura e do Exame Prévio pela mão do MFA, logo em Maio de 1974 e, negativamente, pela nacionalização dos serviços de televisão e de rádio (Abreu, 2102: 321, 322). Também importante foi a consolidação de um Centro de Arte Contemporânea na cidade do Porto, presidido por Fernando Pernes, a funcionar nas instalações do Museu Soares dos Reis.

O interesse que os artistas demonstravam pelas tecnologias electrónicas, através das quais poderiam explorar as possibilidades plásticas oferecidas pelo suporte vídeo e alterações na fita, seja pela adulteração como pela manipulação do material gravado,  manteria um objectivo visual. Como iremos ver no caso de Palolo, ao iniciar as primeiras experiências em finais da década de 1960, a partir de uma câmara super 8, não dispensou o contacto com dois músicos para complementar o vídeo.Pelo facto de explorarem a fonética e com o intuito de enriquecer os eventos performativos, os poetas experimentais já incluíam nos seus eventos aparelhos de gravação (por exemplo o Concerto e Audição Pictórica descrito anteriormente). No entanto, antes do 25 de Abril de 1974 e de acordo com o depoimento de Vítor Rua, o acesso a aparelhos electrónicos de manipulação áudio estava muito limitado e as lojas que comercializavam instrumentos electrónicos eram quase inexistentes (no Porto, a Casa Ruvina). Os sintetizadores, por exemplo, eram importados de França através de uma encomenda especial. Só com muito esforço é que seria possível ter um estúdio em casa, ainda assim limitado às tecnologias mais acessíveis sem grande possibilidade de manipulação. No capítulo dedicado a Melo e Castro, compreende-se que só a partir de meados da década de 1970 é que se vai institucionalizar o apoio às artes experimentais no formato audiovisual.

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21            No número 1618 da revista Vida Mundial (12-6-70), são vários os anúncios a aparelhos electrónicos, incluindo gravadores, televisores, rádio e estereofonia. Curiosa, é a referência dada às aplicações possíveis pelos gravadores e que vão desde a gravação de comunicações, de conversações telefónicas, sonorizações de filmes e diapositivos, música ambiente, avisos e informações. 

22            Consultar mais referências no sítio da internet http://olivrodaareia.blogspot.pt/2011/05/memoria-do-elefante-revisitar-os-meus.html

23            Para uma contextualização mais abrangente acerca do papel da televisão no período Marcelista, consultar o capítulo II da dissertação de mestrado de Sofia Isabel Fonseca Vieira Lopes (2012), «Duas horas vivas numa TV morta»: Zip-Zip, Música e Televisão no preâmbulo da democracia em Portugal, Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais - Etnomusicologia.

24            No estudo de Sofia Lopes (2012: 130), é sublinhado o facto de que a produção do programa recebia por semana "centenas de cassetes de jovens intérpretes que ansiavam aparecer no Zip-Zip". E em nota de rodapé na mesma página, acrescenta: "[...]cassetes Philips que, na altura, e como o José Nuno Martins salienta, eram uma novidade em Portugal e um bem dispendioso."

25            Para mais informações sobre este assunto consultar a página oficial de Arnaldo Trindade em: http://arnaldotrindade.no.sapo.pt

26            Este evento  não se limitou à pintura mural. Ernesto de Sousa publicou um artigo na Colóquio Artes (nº 19,  Outubro de 1974), dando conta que "a festa se constituiu de outros componentes cujo doseamento no resultado final não é fácil estabelecer. Um caixão deitado ao Tejo, o enterro do fascismo; as canções 'heróicas' de Lopes Graça [...]" (Sousa, 1974: 46)

26            Consultar revista Colóquio Artes nº 29 (Outubro de 1976: 70, 71, 72), e respectivos artigos de Ernesto de Sousa e Eurico Gonçalves para melhor contextualização.

27            Este contacto tornar-se-ia importante, resultando daí um convite para a SACOM II (Semana de Arte Contemporânea de Malpartida - 1979), levando até Caceres uma comitiva de artistas portugueses. O tema a explorar seria o Fluxus e as acções portuguesas foram apresentadas da seguinte forma: "'Comidas Portuguesas' (9/IV/79) - João Vieira e Túlia Saldanha, 'Concerto Fluxus' (8/IV), partic.(ação) portuguesa: António Barros, Verdade; Ção Pestana, Tu Boca (processo a completar); Túlia Saldanha, Oblación; Julião Sarmento, performer, Ernesto de Sousa, Fluxus; Alberto Carneiro, Silencio e Vacio; Joana Rosa, Trespaso mi Sombra; Cerveira Pinto, Yo Casi No Se Fluxus / Pero Me Gusta." (Sousa, 1979: 60) - consultar artigo de Ernesto de Sousa na Colóquio Artes de Setembro de 1979 (de notar que, no catálogo Portugueses En El MVM / ¿ y qué hace usted ahora? editado em 2001 pelo Museu Vostell/ Galeria Diferença, a referência para o artigo direcciona para a Colóquio Artes de Dezembro de 1979, embora o número da edição seja o mesmo).

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I. 4.

Ernesto de Sousa, o curador "profissional com comportamento de amador"